domingo, 15 de março de 2009

O MUNDO NÃO É NEGRO GAROTO!

Com insistência um Garoto tenta me convencer que o mundo é negro. Inútil tentativa. Mas vale a discussão. Adoro, me instiga, me aguça os sentidos uma bela discussão. Argumentos ele os tem, mas não me convencem. "O mundo é negro porque vivemos em uma sociedade corrupta, com pessoas que roubam pelo desejo de ter." Se o pobre rouba pelo desejo de ter o que não pode ter, ele é tão criminoso quanto eu, que roubei seu beijo. Não defendo alguém que rouba. Mas entendo que são vítimas de uma sociedade, de uma construção social. Roubar por roubar, o que é mais nobre: aquele que rouba para ter mais ou aquele que rouba para ter o mínimo? Você é só um garoto. Vítima de uma sociedade, do que tem, de onde cresceu, do que aprendeu a valorar. Ter não é tudo e isso você já deve ter escutado. Mas para muitos não ter nada é inaceitável. Experimente se colocar no lugar do outro, é um exercício interessante. Tente passar o dia sem comer, e chegar ao final do dia sem ter para quem pedir ou dinheiro para trocar por comida. Tente andar descalço pelas ruas e controlar sua raiva em saber que um garoto tem uma coleção de sapatos, e que provavelmente usa um ou dois pares com frequência. Controle seu desejo em ter um também. Não estou apontando o dedo, mas estou pensando sobre aquela discussão. Morin, um sociólogo, diz que “não podemos separar o mundo do modo como aprendemos a conhecê-lo”. Aprendeste, Garoto, a saber, o mundo de um modo (lugar) como poucos aprendem, nem por isso és melhor ou pior. Não acho que és privilegiado (a maioria acha que sim!), às vezes sim e às vezes não. Penso como seria se eu tivesse no seu lugar. Tendo aprendido a viver do modo como vivo, não sei se suportaria. Mas confesso que por vezes sinto vontade de “pegar a presença na aula e voltar para cama” ou de saber que a principal preocupação do mês é planejar a “agenda”. Acho grandioso que consiga ver a crueldade que existe, e não negligenciá-la. Isso chega a ser nobre diante da cegueira do mundo. Mas Garoto, não olhe tanto com os olhos, veja com o corpo, com a alma, com amor, com todos os seus sentidos...o mundo não é negro, ele não pode ser. Se for não haverá mais esperança, e do que viveremos se não tivermos esperança? Para que amar, para que filhos, para que estudar, para que respirar se não há mais salvação? Vivemos com objetivos, com desejos, nem que seja ir até a esquina ou beijar um desconhecido. Achá-lo bonito não é o que peço, aliás, não estou pedindo nada, não tenho direito de pedir. Apenas pense além das suas possibilidades, saia de si, movimente seu pensamento, olhe de outros jeitos. Eu consigo entender seu ponto de vista, e por isso não preciso te julgar. É preciso livrar-se de muitos pré-conceitos. Eu não sei como o mundo é, eu sei como eu o vejo. E esse jeito eu aprendi, não me ensinaram, mas eu aprendi! Como? Experimentando, com todos os sentidos. Aceitando que não há verdade, há pontos de vista. E toda vista é à vista de um ponto. Deixo as palavras de Boaventura “temos o direito de ser igual toda vez que a diferença nos inferioriza, temos o direito de ser diferente toda vez que a igualdade nos descaracteriza”[1]. Vou continuar pensando, quem sabe a nossa discussão continua...



[1]SANTOS, Boaventura de Souza.

2 comentários:

Larissa Harres Zucchelli Bittencourt disse...

Nós somos fruto do meio e o meio é fruto das nossas ações. Como resolver isso? Acredito que mudando nossas ações a partir de reflexões sobre o meio no qual estamos inseridos é possível semear uma leve mudança neste meio que nos constrói, para que assim nos construa de forma diferente e melhor. E o princípio básico para isso é a concepção de que o outro não é só mais um estranho, mas um ser humano que como eu possui desejos e defeitos, e que esta pessoa é minha responsabilidade assim que passei a refletir sobre o mundo em que vivo.

Abraços

Jorcenita disse...

Interessante o texto Simone!
Coloquei o link na minha lista de blogs. Abraços